quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Prosa crua

Não sabia que duas pessoas podiam alguma vez ter dois encontros com a morte e continuarem as duas vivas.

Tu gostas de medir forças com ela, não gostas?

São muito longas estas horas em que estou a 620km de ti e em que as notícias chegam a conta-gotas.

Tantas coisas que já pensei em pouco mais de 24h. Já viste que no fundo te faltava aprender tão pouco? A tua clarividência não é normal (e desculpa se te incomoda que te fale no presente, tempo verbal), a tua mentalidade não é normal. A tua irreverência perfeitamente informada e documentada sempre me foi fascinante também.

Já viste que o fundo só te faltava aprender a pedir ajuda?

Sabes, eu queria falar de ti a toda a gente mas as pessoas não te percebem. Até agora, neste momento, tu és o símbolo do gosto que te dava repelir as pessoas.

Mas eu quero falar de ti e quero escrever sobre ti. E não, isto não é suposto ser uma coisa bonita! Não é suposto agradar! Tu cruzaste-te comigo, percebo agora, para me ensinares sobre a morte mas eu devo admitir que não tenho sido a melhor aluna. Ainda te lembras do que me disseste há mais de 7 anos quando aquela minha amiga de família morreu? Tinhas 14 anos e provavelmente nem te lembras mas falaste-me do egoísmo dos que ficam, falaste-me da necessidade de uma busca de um sossego que as pessoas julgam ingrato e inapropriado.

Senti raiva de ti muitas vezes. Hoje não é de ti mas contigo! Mas apesar da raiva sempre te quis por perto e nunca percebi como era possível não gostar de ti, não reconhecer o valor da tua existência e do teu intelecto. Mas tu eras a primeira a fazê-lo.

Tu nunca soubeste pedir ajuda e eu tenho medo da memória que isso possa dar de ti ao mundo. Eu sei quem tu és.

Custa-me a crer e aceitar, ainda que não me caiba a mim, que possas deixar de existir aos 22 anos, que possas até ter querido que tal acontecesse.

Sinto-me tão ridícula aqui a escrever-te isto. Sinto-me, como sempre me senti e nunca te disse, pequenina à tua beira e das tuas circunstâncias. És uma rara combinação de circunstâncias anormais. E são tantas as perguntas. As minhas, claro. As tuas também, talvez! Não te aborreças se tas faço nem me julgues ou te rias por eu acreditar que de alguma forma podes estar a ler isto à medida que escrevo.

Qual era a tua ideia? Deixar de sofrer, sofrer ainda mais? Existir, não existir ou existir ainda mais? Sentir ou não sentir? Querias alguma coisa sequer?

Algum dia tiveste noçã dos braços abertos que poderias encontrar sempre comigo, com o David?...

Nenhuma doença, física ou mental, devia levar-te assim para longe, fazer-te desaparecer! Eu acredito tanto em ti. Há em ti, e sempre me foi muito óbvia, uma luz que nunca viste ou que fazias por não ver. A forma como vias as coisas e as filtravas era intrigante... até a forma como às vezes não tinhas nem ideia do que estavas a fazer.

É injusta a forma como te entregaste assim a um desaparecimento longe e silencioso ao mundo.

Este mundo devia ter sabido mais de ti. Bem mais do que uma cara desfigurada e uma mente insana que não é culpa tua.

É lugar comum que todos somos imperfeitos mas tu não eras mais imperfeita que ninguém. Tu não és em ti nem um quarto de imperfeição.

Gostava que fosses capaz de ver o que eu vejo, lembrar o eu lembro quando te relembro.

As pessoas não existem para sofrer e tu preferiste sempre as linhas tortas. O sofrimento é que existe para nos fazer pessoas. Tu és mais sábia do que eu e sabes coisas que eu não sei sobre o rolar do mundo e das gentes. Tu deves saber o porquê de não te deixares sofrer, sofrendo na mesma, como pó debaixo do tapete. E eventualmente tornaste-te esse pó, esse sofrimento.

Gostava de ter estado lá para varrer contigo.

Vou dormir, falamos amanhã!
Vai onde quiseres, eu confio em ti...

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Quadrado

Jaz aqui defronte de mim
Um quadrado imenso.
E esse quadrado está transbordando de vazio.
Tem cores, chuva, ar, lembranças rectangulares, porém importadas!
É um barco afinal... perfeitamente enquadrado e fixo mas flutua.
As casas não flutuam assim...
Mesmo se inevitavelmente
Lá flutuem dentro umas quantas existências.

Esta é a alegoria da fotografia em que vivo!
Mas não são as fotografias momentos  sem tempo?
Tentar ser gente é a rota deste barco,
É a razão deste vazio transbordante de sentido
E é a cor da chuva lá fora
que parece conhecer-me já desde o berço,
Quando me visita assim tarde, com um beijo de boa noite.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Às vezes gostava de pintar com os olhos,
fotografias não chegavam.
Nem a minha memória capta com exactidão
a beleza do contorno que vejo da minha janela,
já noite andada, e a realidade recortada pelo o claro da lua
e o ondular da cortina que quase parece transparente...

estas são as histórias das minhas noites sem sono.

sábado, 22 de junho de 2013

Havia naquele quarto uma só cama.
Nela se encerravam segredos,
manchas de lágrimas e de suores alegres.

A perfeição tinha em si a eternidade.
Desejava-a só para si como se
de um baile de irrealidades se tratasse.
E era verdade!

Era um baile utópico,
mentira minha se não o tomasse
como parte do meu imaginário.
Aqueles dias de perfeição e eternidade...
As suas mãos dadas!

Era a beleza suprema do tempo parado,
o extase supremo da ausência do medo da perda.
É a perda a chave das tristezas.

É no perder de dias, de meses,
de anos, de individuos, de afeições
que reside o medo, o peso de existir!

Quando nada temos, nada podemos perder,
A leveza é o resultado fútil, mas tranquilo e suportável,
de uma existência sem perda.

Não sei sequer se te prefiro ou te desprezo,
Se me preenches ou atrofias.
Só sei que dói, que me entregas às lágrimas por hoje...

Até amanhã, menina saudade!

sábado, 25 de maio de 2013

Não importa

Hoje percebi.
Procurar não é o caminho.
Encontrar não existe.

O amor é a mentira melhor contada pela Humanidade.
Surge mentindo, surge porque mente.
E só porque surge e engana
desde todos os começos já conhecidos,
já existe e é verdade.

Mas o difícil não tocar-lhe,
nem contemplá-lo.
É saber que existe sem o ter
e viver o abuso dessa mentira.
É ter, para além de tocar, mergulhado nele
tão profunda e inadevertidamente
que todas as cores do mundo
se baralharam a olho nu.

E é ver de novo.
Abrir os olhos pela primeira vez.
É tirar peito fora e aceitar a mentira,
aceitar a verdade de ser mentira.
É viver a mentira de dizer uma verdade que não existia.

E de repente todos os poemas do mundo foram feitos para nós,
e temos a noção da falta de originalidade que é amar.

E não importa.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Camisa desabotoada


Se a minha camisa precisasse de botões,
a natureza não os teria feito
neste exagero de fragilidade.
Esses botões não lhe pertencem
e é nesse abandono que não te nego.
Até porque não seria capaz!
Na medida dos nossos impetos,
é escassa a eficácia de tais trancas.

Chamam-lhe cosmos, destino,
fado ou equilibrio...
Não sei!
Nomenclatura é coisa de que não me quero ocupar por ora!
Todos eles juntos conspiram por nós,
a favor de nós.

Abre-se a minha camisa só porque me olhas,
Fitas-me e o teu toque é uma apoteose de sentidos,
um eufemismo do nosso desejo!

Utopia da tua mão que toca este corpo a ti oferecido,
destinado.

Não vale a pena fechar botões que teimam em se abrir,
não tocar com a pele o que a alma já uniu há tanto tempo!

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Eu tenho medo.
As circunstâncias começam e acabam
e eu tenho medo!

Sinto uma evasão,
Erupção de coisas.

E eu hoje não sei escrever!

terça-feira, 12 de março de 2013

Des-insónia

Corpo sem sono,
dá os teus olhos à claridade!
Não finjas dormir
pois a veracidade da quietude tua e minha
é o segredo mais bem guardado
da noite dormente.
Cerramos os olhos sem sossego,
um braço de ferro com a gravidade.
Peso de um corpo que não descansa!
Duelo de peso e insónia!

Somos as criaturas mais despertas
deste escuro engano,
Não há nada a fazer.
Cruzar de olhos sem testemunhas.
Só a noite nos vê,
nos consome e eterniza.
Só a noite nos tranca às portas da loucura
que evitamos nas manhãs de cafeina e normalidade.

Boa noite.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Não era normal.


Tudo começa com as minhas mãos.
As minhas mãos abriram esta página.
Mais uma folha branca e eu vi coisas.
Cerrei os punhos. Cerrei-os com tanta força,
que a minha cama tremeu, o chão tremeu com ela,
e todas as coisas que conheço,
apesar de uma desfocada perda de visão,
ficaram quietas! Imóveis, paralizadas como sempre!
Era eu quem tremia! Um tremer que muda.
A minhas mãos eram a minha única noção
do meu próprio terramoto!

Antes cumpria o protocolo,
hoje estalos todos os dedos sempre que me apetece!
Antes eram as dores de alma
que me entregavam às lágrimas.
Hoje choro se as não tenho.
Sou visitada pelas coisas mais estranhas,
a minha casa é o apocalipse da normalidade.
Essa casa tem uma porta,
mas perdi com estas mãos a chave!

Os dedos queimados, as unhas desalinhadas,
os pulsos frágeis, o anelar esquerdo estalado,
a cicatriz do aquecedor...
são minhas!
Limpam os meus olhos, fazem as minhas despedidas,
escrevem estas coisas.
Não era normal,
mas tudo cessa e volta diferente
depois do tremer de um dia inútil.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Aqui Cinzento


Aqui.
Era carne e virou sangue.
Soubesse eu as fronteiras
do que fui e do que ficou,
e o aqui seria a versão a cores deste inverno.

Gelaram-se-me os sentidos no caminho também
e aqui tudo o que visto e me esconde
é invisivel.
Sou na verdade duma nudez pálida,
Inerte e inconsciente.

Toca-me na pele roupa que não sinto.
Imagens de espasmos que também sinto.
A nudez do que me preenche, fora corpo e carne,
é um choro imaterial sem dono e sem sentido.

Não se deve querer o que é de outro tempo.
Não se devem chorar
as ruinas de horas tão cheias das suas sessenta partes,
que nem a lembrança de lá se consiga soltar.

Eu já só caibo num aqui que,
esse sim, me pertence.
Mas a pertença é uma coisa feia.
Não tenho e choro, tenho e chamo-lhe feio.
O aqui e seu cinzento far-se-ão,
eventualmente, suficientes.