domingo, 11 de novembro de 2018

Prisioneiro culpado e inocente

Era um olho e era um choro.
Esse suor dos olhos,
Outra fatiga, menos física.

Era um estômago e um vómito.
Esse insaciar de sentidos,
Outra náusea, uma mente mareada.

Era pele arrepiada e era um peito despido.
Esse frio do depois,
Outro vazio sem calor.

É uma lista dos meus fracassos
E é uma promessa que não vou cumprir,
Como todas as outras
Que flutuam sobre a minha cabeça.
Alma que arrasta aço pela perna
Como prisioneiro culpado.

Ou talvez inocente.

sábado, 13 de outubro de 2018

O fechar da década

Amigos, é o fechar da década.
Outros antes de nós por aqui passaram.
Também tiveram de fazer o caminho descalços.
Descalçar o conforto querido,
Ganhar calos que haviam tentado prevenir.
Esqueceram-se de nos avisar,
Mas como eles, temos o depois.
O depois não desaparece
Nem nos fogem os sonhos.
O desejo de chegar
Dará lugar ao sossego
De ter pernas para andar.
Como a chuva vira flor
E o escuro, dia!

É o fechar da década.
De uma década.
Apenas uma.
Há mais décadas do calendário.
E “o que é suposto”
É inimigo da unidade que somos.
Essa combinação de sonho
E circunstância que és tu e eu
E que não se repete.

Não deixemos a nossa existência
Seguir os moldes
Que só serviram quem nós não somos.
Nunca vi outro como tu.
Nem como eu.
E se houvera visto,
Não o quereria imitar.

Tu vais voltar a ter
Os teus pés calçados
E vais saber que foste corajoso.

Vais ter dias com sentido
E vais saber o que fazer.
Vais ver brilho que não esperaste,
O peso virará âncora
E a tua alma desalojada
Saberá ser a sua própria casa.

domingo, 9 de setembro de 2018

Fica tudo igual

Peguei agora no papel,
mas no momento em que o largar,
Acabado ou a sangrar,
o mundo continuará igual.

Uns quantos outros como eu
se sentaram em contemplação.
Procuraram em vão o juízo dos deuses
e evocaram todos os prejuízos da alma.

Mas isto da arte é como caminhar em areia.
Nada fica nem resiste. Nem eu mesma.
Venha vento ou água, a resolução é clara.
E o mundo parece feliz na sua inércia.

Que belo e triste esse propósito do acaso,
esse dia e noite porque sim,
esse expulsar de um pedaço de alma,
porque dentro já estava a mais.

Hoje não tinha nada a dizer,
mas tinha que dizer.
Já aceitei a inutilidade do meu propósito.
Que bela desculpa.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Tristeza Mar

Onde há mar, há lama.
Há uma tristeza bonita.

Há daquela tristeza que se quer.
Aquela tristeza orgulhosa.

A cor aqui é diferente,
Menos branca, mais tijolo.
O cheiro e o grito das gaivotas...
Podia fechar os olhos
E achar-me-ia em Portugal.

Não vi beata no chão,
Mas a pé, atravessam os vermelhos
como nós.

Crise não empata a esplanada
E deixai-os estar, tiveram um dia de sol.

Onde há mar, há tempo.
Há amores de pés na areia,
Há um sem fim que entristece.
Há um esperar por amanhã,
Que hoje já não vai dar.

Há música todas as noites,
Que o som alegra sem assustar a tristeza.
Ilha esmeralda, cor de tijolo torrado,
Terra de poetas como a minha,
Agora és minha sozinha.



Prazer em conhecer-te.

domingo, 10 de junho de 2018

Esperar mais um dia

Pode-se sempre esperar mais um dia.

Mesmo com desassossego nas mãos
Na espinha e no peito,
Com falta de ar e falta de tudo
Pode-se sempre esperar mais um dia.

Mesmo com esta lágrima insistente,
Com o desespero do nada e do nunca
Mesmo na companhia da tua ausência,
Pode-se sempre esperar mais um dia.

Um dia será o dia,
Um dia ver-me-ás com olhos de vontade
Com olhos de não querer perder.

Esse dia talvez nunca virá,
E mesmo que já não espere esse dia 
Por agora só há noite.
E em sonhos, não mandas tu,


Posso sempre esperar mais um.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Crónicas de um final (4)

Eu estou bem, não te inquietes.
Sei que nem perguntaste,
Mas eu prefiro achar que sim.
Estou bem de estômago deserto,
Estou bem de coração sangrento
E até mesmo de pés calejados.

Estou bem porque não quero estar mal.

Caminhámos muito.
Fomos grandes e pequenos.
Fomos bichos de conta preguiçosos,
Em vez de filmes, contávamos histórias.

Esta é uma frase batida,
Mas quero que me oiças mais uma vez.
Estou a cortar este cordão umbilical de guerreiro,
Com uma tesoura perra e por afinar.
E eu sei que ainda só somos de ontem,
Mas este corte eterno dói mais
Que uma impiedosa faca acabada de afiar.
Ou então dói igual,
Mas este é meu pretexto necessário.

Tu sabes mais destas dores...
Ensinas-me os teus truques?
Como posso confiar no tempo,
Se lhe quero o contrário?

Já sei que é altura de ir,
Mas fica por perto, por favor.
Sê perfeito, porque o imperfeito não resultou.
Não foste suficiente, nem eu.
Portanto agora vou-me sentar e vou esperar.
Vou esperar por mim.
Esperar até poder dizer-te 
Que estou viva, sem mentir.



Adeus.

sábado, 21 de abril de 2018

Crónicas de um final (3)

Eras como água fria.
Quando fizeste parte de mim,
Foste os meus arrepios.
Arrepios dos bons e dos maus.
Eras como água fria no verão,
Exactamente o que eu queria e precisava.
Eras como a água quente do meu banho
No frio do inverno.
O aconchego que competia
Com qualquer manta do mundo.
E ganhavas-lhes.
Depois viraste-me as costas.
Não foi culpa tua, mas parecia de propósito.
Passaste a ser água a ferver no verão,
Água gelada no inverno.
Desesperei de calor sem alívio
E chorei de frio na espinha.

Hoje és água que me foje entre os dedos
E me seca na pele.
Não ficas mas molhas.
E eu tenho sede.
Sedes e medos.

Às vezes cresce-se e aprende-se,
Que água não se agarra nas mãos.
Uns segundos dela
E temos de ser felizes.

Já dizem os antigos,
"A mesma água não passa duas vezes
Debaixo da mesma ponte."