quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Não era normal.


Tudo começa com as minhas mãos.
As minhas mãos abriram esta página.
Mais uma folha branca e eu vi coisas.
Cerrei os punhos. Cerrei-os com tanta força,
que a minha cama tremeu, o chão tremeu com ela,
e todas as coisas que conheço,
apesar de uma desfocada perda de visão,
ficaram quietas! Imóveis, paralizadas como sempre!
Era eu quem tremia! Um tremer que muda.
A minhas mãos eram a minha única noção
do meu próprio terramoto!

Antes cumpria o protocolo,
hoje estalos todos os dedos sempre que me apetece!
Antes eram as dores de alma
que me entregavam às lágrimas.
Hoje choro se as não tenho.
Sou visitada pelas coisas mais estranhas,
a minha casa é o apocalipse da normalidade.
Essa casa tem uma porta,
mas perdi com estas mãos a chave!

Os dedos queimados, as unhas desalinhadas,
os pulsos frágeis, o anelar esquerdo estalado,
a cicatriz do aquecedor...
são minhas!
Limpam os meus olhos, fazem as minhas despedidas,
escrevem estas coisas.
Não era normal,
mas tudo cessa e volta diferente
depois do tremer de um dia inútil.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Aqui Cinzento


Aqui.
Era carne e virou sangue.
Soubesse eu as fronteiras
do que fui e do que ficou,
e o aqui seria a versão a cores deste inverno.

Gelaram-se-me os sentidos no caminho também
e aqui tudo o que visto e me esconde
é invisivel.
Sou na verdade duma nudez pálida,
Inerte e inconsciente.

Toca-me na pele roupa que não sinto.
Imagens de espasmos que também sinto.
A nudez do que me preenche, fora corpo e carne,
é um choro imaterial sem dono e sem sentido.

Não se deve querer o que é de outro tempo.
Não se devem chorar
as ruinas de horas tão cheias das suas sessenta partes,
que nem a lembrança de lá se consiga soltar.

Eu já só caibo num aqui que,
esse sim, me pertence.
Mas a pertença é uma coisa feia.
Não tenho e choro, tenho e chamo-lhe feio.
O aqui e seu cinzento far-se-ão,
eventualmente, suficientes.