quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Já chegaste

Amigo, tu que já chegaste,
Tenho tantas perguntas.

Como é aí do outro lado da porta?
Há fome e lume também?
Saudade e raiva?

Como cheira o céu?
Sempre achei que o cheiro das nuvens
Fosse baço e desse tosse.
Conta-me o que já viste.

Ou estás nalgum limbo calmo e sem cor?
Consegues chorar?
É salgado o sabor das lágrimas como aqui?

Tens por fim paz e sorrisos
Ou só vontade de voltar ou não ter ido?

Estás livre? Tens memórias?
Sabe bem pensar em nós? 
Ou não pensas sequer?

Preferia que não pensasses
Nem te lembrasses.
Gostava de te ver perdido em risos.
A melhor cura.

És uma lembrança de carne e osso ainda.
Basta um de nós a lembrar.
Sofrimento pela metade.
Aperto aqui nas minhas entranhas
Mas do teu lado dois pulmões livres para rir.

Se nos voltarmos a ver,
Espero que sejas velhinho
E não me conheças.
Quero ver a cara de alguém que continuou a ser.
Quero que a minha cara não te diga nada
Mas que nos tornemos família outra vez, só porque sim.
Porque foi a sério.

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Já não sei falar de amor

Eu já não sei falar de amor.
Já não tenho ideias.
Nem memórias.

Eu já não sei falar de afecto.
Não me lembro do toque.
Nem do cheiro.

Não sei mais abraçar.
Esqueci-me do som de um sussurro.

A minha pele continua fria,
Como quando era tocada
Por amantes antigos.

Não sei sequer se é saudade.
Parece uma falta de juízo 
Que já não me serve.

Tenho sonhos e sonhos.
Escrever sobre matérias profundas.
Mas já não sei falar de amor.
Ternura já não pode ser tema.

Terei de encontrar outras
Coisas para sentir.
Escrever sobre nada 
E sentir tudo.

Hei-de contar histórias,
E deixar a ternura e o amor
Para quem as ouvir e puder sentir.

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Não sejas uma memória

Não sejas uma memória.
Ainda não.

Fica mais uns dias e deixa-me convencer-te.
Somos todos defeito,
todos partidos.
Poeira hoje,
Fénix depois da noite.

Não te quero lembrar,
não te quero imaginar,
não quero o silêncio e o nada.
Quero o toque no ombro
e o piscar de olho.
Quero o guacamole mal esmagado.
Quero a dança desajeitada.
E quero rir-me contigo.

Para ficares era preciso mais do que o mundo,
mas talvez não houvesse mais mundo.
Que mundos somos nós então,
os que te pensam e agora te imaginam?

Não te sei imaginar.
Não sei os teus olhos, só o seu piscar.
Não sei a tua voz, só as tuas frases simples.
Não sei o teu nome,
só o meu na tua boca.

Não chega.
O meu egoísmo é quase pior que o teu.